A história do docente e pesquisador da UFSCar em físico-química que, por causa de um diagnóstico incorreto, criou um método para medir a pressão intracraniana e não largou mais a medicina nem a física.
Antes de seguir com a leitura, tenha à mão o caderno de anotações. É nele que você vai registrar suas ideias após abrir as caixinhas do cérebro com uma história inspiradora – e que está mudando protocolos da medicina mundial. Em 2005, o físico-químico Sérgio Mascarenhas, pesquisador do Instituto de Física da USP São Carlos, começou a ter sintomas como dor de cabeça, tontura, dificuldade em conter a urina e de andar e ataxia. Foi inicialmente diagnosticado com Parkinson. Por fazer parte de uma rede de especialistas renomados da faculdade, o professor de física, que foi o primeiro reitor da Universidade Federal de São Carlos, em 1968, descobriu que, na verdade, tinha hidrocefalia de pressão normal.
Após a cirurgia craniana para inserir a válvula que controla o liquor interno, os sintomas passaram. No lugar, surgiu um tremendo inconformismo pela dificuldade do diagnóstico. “Imaginei uma técnica não invasiva que poderia garantir o diagnóstico em outras pessoas, pois a ressonância é um exame caro e não é definitivo”, conta o professor Sérgio. Até então, o único método para confirmação da hidrocefalia era perfurar o crânio para medir a pressão intracraniana. Por ser uma cirurgia crítica, é uma escolha que considera o custo-benefício clínico. Na visão do cientista, é um procedimento invasivo inadmissível nos tempos atuais. Porém, durante os últimos dois séculos, acreditava-se que o crânio dos adultos é rígido e não sofre expansão, por isso seria impossível medir a pressão pelo lado de fora, de acordo com a doutrina de Monro-Kellie.
O professor Sérgio, no entanto, desconhece a palavra “impossível”. Partiu da sua experiência em engenharia para criar um protótipo simples: colocou um chip utilizado para medir abalos em estruturas do lado de fora de um crânio e, dentro deste, uma bexiga, que poderia inflar como o aumento do sistema nervoso central. Eureka! O chip do lado de fora detectou a alteração dentro do crânio. Depois de muita pesquisa, o físico Sérgio Mascarenhas publicou, em 2012, um artigo provando que a caixa craniana do adulto não é rígida e apresentou a conclusão em um congresso na Alemanha.
Essa quebra de paradigma na medicina não sossegou o professor. Cientista nato, viu-se diante de uma série de novas questões. “Eu parti da ideia de que não é possível que o sistema nervoso central não saiba as doenças que estão acontecendo no resto do corpo. Hoje em dia se chama de segundo cérebro o sistema corporal que vai da garanta até a ponta do pé”, conta, animado. Deste questionamento, Mascarenhas já orientou pesquisas relacionadas pressão intracraniana e gravidez de risco, doenças infecciosas como meningite, ao acompanhamento pós-cirúrgico, entre outras. Hoje, a empresa que fundou para disseminar a descoberta, a brain4care, acompanha e colabora com trabalhos nos mais diversos centros de pesquisa médica, principalmente no Brasil e nos Estados Unidos, como USP, Stanford, Johns Hopkins.
Desde março de 2019, o exame se tornou ainda mais simples, com um equipamento sem fio que disponibiliza as informações em nuvem para acompanhamento médico à distância. E o cientista não para de questionar. “O que está me interessando agora é que a caracterização da pressão intracraniana é uma nova variável vital, como a pressão arterial. O espectro é um marcador que pode ser alterado para várias doenças”, explica o físico. Esta nova informação médica já está aprovada em um conjunto de 23 hospitais em São Paulo e no Rio de Janeiro, sendo utilizada por seis e em processo de adoção no restante. De acordo com o CEO da brain4Care, Plinio Targa, descontada a burocracia, é possível cadastrar a equipe e adotar o marcador vital em apenas seis horas.
Aos 91 anos, com essa inovação bem encaminhada, Mascarenhas começou uma nova batalha na ciência. “Cheguei à conclusão que se você não usar matemática de sistema complexo na saúde, não é possível obter resultados confiáveis, por isso estou na luta para introduzir sistemas complexos na engenharia e na medicina.”